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As Rendeiras da Aldeia

As mulheres que se põem em roda para rendar, exercitar, produzir, preservar e difundir as tradições de um ofício que trouxeram dos seus lugares de origem, a Renda Renascença.

As Rendeiras

“Rendeiras da Aldeia“ é um coletivo de mulheres, que encontrou na Renda Renascença a possibilidade do encontro, da convivência, da troca e da autonomia. Para além da produção de peças de roupas, cama, mesa, banho, acessórios e obras de arte, essas mulheres convivem no dia-a-dia e compartilham saberes entre gerações.

Através da renda mantêm viva uma das mais belas tradições manuais brasileiras, que as conecta com a ancestralidade guardada no fazer da renda, esse bem precioso. O processo criativo parte de suas próprias histórias, do olhar para dentro, do livro de memórias de cada uma.


O grupo nasceu em 2006, a partir de uma das ações do Centro de Estudos e Criação da Indumentária e Figurino Brasileiro da Oca Escola Cultural, num projeto direcionado às mães e mulheres da comunidade da Aldeia de Carapicuíba, com o objetivo de capacitá-las e de valorizar os saberes que traziam de suas origens do interior de diversos estados brasileiros. Este projeto contempla a alfabetização, pesquisa das tradições orais, pesquisa e valorização dos saberes manuais e formação para o mercado de trabalho a partir da produção do artesanato brasileiro.


Os aprendizados e trocas relacionados a esses fazeres manuais são também compartilhados com as crianças e adolescentes da instituição, bem como com outras mulheres do município.

 

O grupo é composto pelas lideranças: Aliane Lindoldo, Dalva Lima, Edvânia Eloi, Fátima Vilas Boas, Josefa Eloi, Lucilene Souza, Márcia Mesquita, Núbia Esteves, e  Wilma da Silva, nossa mestra da renda.

A Renda Renascença

Indícios sobre o surgimento da Renda Renascença apontaram entre os séculos XV e XVI na Itália. No século XV os europeus começaram a procurar meios de diferenciar o trabalho artesanal, fazendo gradativas alterações na maneira de bordar, entre eles o ponto cortado, o ponto desviado e finalmente o ponto no ar, que divergia dos demais por não precisar de um tecido base para ser executado.

O ponto feito “nos ares”, possibilitou a ruptura completa entre bordado e renda, que acabava de nascer na Itália. Veneza e França tornaram-se os centros mais famosos e respeitados na produção de rendas de agulha, exportando tanto seu artesanato como seu conhecimento para outros países europeus.

Para além da Itália e França, outras nações contribuíram para a disseminação e consolidação da renda de agulha pelo mundo como Espanha, Inglaterra, Islândia e Portugal. Contudo, a França foi decisiva para a implantação da renda renascença no Brasil.

Em 1582, os Carmelos, religiosos portugueses, saíram de seu país e espalharam-se por diversas nações, chegando ao Brasil no ano de 1663. Na nova terra fundaram primeiramente um convento na Bahia e, posteriormente, um segundo em Pernambuco na cidade de Olinda, no ano de 1686. Em 1823 eles foram expulsos do Brasil pelos poderes públicos e uma década depois o convento da cidade de Olinda foi ocupado por religiosas francesas. Essas eram famosas por serem as únicas da região que confeccionavam peças de renda renascença. Por sua carestia, a renda tinha um grande valor simbólico, dando status para quem as possuísse, motivo pelo qual era muito requisitada pela elite econômica dessa região nordestina.

Esse saber artesanal foi por séculos um segredo conservado entre as freiras francesas. Na Itália do século XV as rendeiras foram proibidas de deixarem o país para não repassarem o ofício para outros. Porém, na década de 1930, esse conhecimento caiu no poder das mulheres pobres dessa região nordestina através da circulação de uma paraibana, Elza Medeiros, conhecida popularmente como Lala.

Lala, natural do município de São João do Tigre, do alto Cariri paraibano, por razões políticas, deixou seu estado para morar em Pernambuco, no município de Poção.  Neste município Lala conheceu Maria Pastora, que trabalhava para as feiras francesas em Olinda, no convento Santa Teresa, e foi com ela, tempos depois, que Lala aprendeu o ofício da renda renascença.

Em certo ano, ainda na década de 1930, Maria Pastora teve que se ausentar do trabalho no convento em Olinda e viajar até a cidade de Poção para visitar a mãe que se encontrava convalescida. Preocupada em não cumprir o prazo de entrega de uma encomenda, resolveu leva-la consigo para Poção e para agilizar a feitura decidiu quebrar o segredo sobre o processo de produção e ensiná-lo à Lala, pedindo que guardasse segredo.

Neste período o Nordeste passava por uma grande seca e sua população andava castigada pelos efeitos da mesma, aumentando significativamente o êxodo rural. De cada família partia um ou mais de seus integrantes, geralmente o pai, ou o filho mais velho, para os grandes centros urbanos, na esperança de ajudar as famílias com o envio de dinheiro. A fome e a miséria eram uma rotina na região.

Lala, diante do quadro de calamidade causado pela seca, teve a iniciativa de repassar o que aprendeu com Maria Pastora para outras pessoas, gerando trabalho e renda para muitos. Em um salão amplo, ainda em Poção, iniciou ensinando as mulheres pobres da região a produzirem peças de renda renascença. As peças produzidas pelo grupo eram comercializadas por Lala e, como as encomendas foram aumentando, os homens passaram a aprender também, quebrando o tabu de que o trabalho artesanal era exclusivo de mulheres. Lala produzia com suas alunas e vendia a produção na cidade de Pesqueira, passando a comercializar tempos depois também na capital, Recife.  Com o passar dos anos e a renda se mostrando uma alternativa econômica muito promissora, outras comerciantes e artesãs surgiram na região. 

Entre 1979 e 1985 o Nordeste passou por uma das secas mais prolongadas da história. No período, 3.5 milhões de pessoas morreram, a maioria crianças sofrendo de desnutrição. Esse longo período de estiagem foi responsável por mais um grande fluxo migratório para diversas regiões brasileiras, sobretudo São Paulo. O município de Carapicuíba absorveu parte deste fluxo e hoje abriga uma população predominantemente migrante.

Wilma da Silva, uma dessas migrantes nordestinas, nomeada mestra da Renda Renascença pelo Ministério da Cultura em 2007, é a  responsável pela transmissão deste conhecimento para mulheres do município de Carapicuíba/SP. Ela é proveniente de Pesqueira/PE, e aprendeu a rendar aos nove anos de idade com D. Marieta Monteiro Xavier, condecorada como a primeira mestra da arte renascença no mundo. Esse trabalho iniciado em 2006, pela
Oca Escola Cultural,  gerou um coletivo de mulheres que rendam, cantam e compartilham esse saber com outras mulheres do município, constituindo aos poucos um polo de renda renascença no município de Carapicuíba. 



No processo de produção artesanal da Renda Renascença, tudo começa pelo desenho, também chamado de risco. O desenho é riscado em papel de seda ou manteiga, construindo os moldes em tamanho real da peça a ser produzida.
 
Depois de prontos, os desenhos são fixados em papéis mais grossos, ou plástico para receber o lacê – uma espécie de fita branca em algodão com “casinhas” nas extremidades. O lacê vai acompanhando o risco, contornado as formas principais do desenho, deixando espaços onde brotarão os pontos que são presos às “casinhas” do lacê. Esse processo chama-se alinhavo, pois o lacê é preso ao desenho com o ponto alinhavo. O lacê é a peça chave que difere a renda renascença dos outros tipos de renda. 

A almofada serve para apoiar os desenhos, já com o lacê alinhavado, auxiliando no processo de produzir os pontos.

Quando a produção dos pontos está finalizada, desalinhava-se o lacê dos papéis. A peça solta vai para um processo de acabamento. Depois do acabamento a peça será lavada e engomada. E assim, está pronta para o uso.

Fonte:

NÓBREGA, Christus. Renda Renascença, uma memória de ofício paraibana. João Pessoa: SEBRAE, 2005.

Cantar e Rendar

Além da Renda Renascença, as Rendeiras da Aldeia cultivam a tradição dos Cantos de Trabalho, que são cantos entoados durante todo o processo de feitura da renda e que tornam o trabalho mais leve e alegre. 

A tradição da renda, bem como a dos cantos é compartilhada dia a dia com crianças e adolescentes alunos da
Oca Escola Cultural, Organização da Sociedade Civil onde foi criado este projeto e que continua sendo a nossa casa.

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